Da “periguete” ao “viado”

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Em época de “como o mundo está chato”, é bom mesmo ter cuidado com o que se fala. Ontem estava ouvindo o podcast dos Criatônicos sobre a influência do politicamente correto na publicidade.

Os três publicitários baianos fizeram bonito, defendendo a inclusão e o fim do preconceito e do machismo nas agências e nas campanhas publicitárias. Mas teve uma frase dita por um deles que ficou entalada. O Diogo Francischini estava falando sobre um spot de rádio ridículo da Skol que ele considerou de um machismo tão grande, que ele denunciou a campanha. Mas lá no meio da fala dele, ele disse algo como “o cara bate na mulher e depois vem a periguete com voz sensual”…

E como eu sou eu, me vi obrigada a escrever o seguinte comentário:

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A resposta deles, apesar de aparentar aceitar o que eu comentei, na verdade é cheia de problemas e eu quero usar essa oportunidade para fazer uma reflexão. Para o pessoal do Criatônicos (pelo menos o que respondeu meu comentário), viado é pejorativo. Periguete não.

Mas porque ele pensa assim? Porque ofender uma mulher é normativo. Ofender um homem, não.

Vamos pensar: quais são os xingamentos mais comuns a um homem? Filho da puta? Agride a mãe dele, não ele. Corno? Agride a esposa dele. Viado? Ah! Viado agride ao homem. Viado é o homem passivo, que só dá, que não recebe.

Será que o palavrão “viado” agride os homens porque os coloca numa posição similar ao lugar que eles acham que as mulheres devem estar? “Viado” é misógino, porque “viado” é ir de encontro com a heteronormatividade (eita, que eu falei foi bonito agora!), é ser mulherzinha e ser mulherzinha é feio!

Agora vamos ver quais são os xingamentos mais comuns a uma mulher: puta, vadia, piranha, vaca, cachorra… Todos eles ofendem o comportamento sexual feminino. O xingamento tem como objetivo agredir e humilhar o alvo do palavrão. O xingamento é uma arma de controle social: “tem mulher pra casar e mulher pra fazer ousadia”. Logo, ofender a mulher “casta” a equiparando a mulher que se libertou das amarras do machismo e apresenta um comportamento sexualmente livre (ou um comportamento sexual igual ao do homem) é retirá-la de seu direito de ser respeitada e privá-la do direito ao amor.

E ainda tem outra questão: a agressão à mulher. Uma mulher que sofre agressão e fica com agressor não é periguete. Procurem relatos de mulheres que saíram de relacionamentos abusivos e vocês irão entender o quão difícil é sair daquele lugar. A mulher da propaganda que era um despertador e que apanhou não poderia nunca ser tratada como periguete. Ela é a mulher que tem medo de ir na Polícia. Ou que quando vai, é maltratada pelos Policiais e pelo Delegado. Chamar a mulher da propagando de “periguete” é culpabilizar a vítima.

Apesar de tudo isso, confesso que fiquei muito surpresa com o tema escolhido pelo trio. Mostra que existe, sim, um avanço sendo feito na publicidade e apesar deles terem dito que o machismo não é exclusivo das agências (e não é mesmo! Seria lindo se fosse), a gente sabe que o ambiente de agência é extremamente machista. Eu sou publicitária e apesar de nunca ter trabalhado em agência, eu acompanho os bastidores.

Mulher dentro de agência geralmente está no Atendimento (e tem que ser bonita, para vender melhor) ou na Produção. Criação ainda é território predominantemente masculino.

Mas voltando a questão: os meninos se esforçaram ao escolher um tema que poderia dar uma merda federal. Mas erraram em dois pontos: o primeiro foi não terem convidado uma publicitária com experiência em agência para participar. Eles argumentaram que até tentaram e não encontraram. Acho pouco provável que tenham de fato tentado. Conheço excelentes publicitárias feministas que trabalham em agências de Salvador e que dariam muito pano para manga nesse debate. O segundo, é que eles não seguiram a cartilha que rezaram. Em um determinado momento, um deles disse “se alguém se ofendeu com uma peça que fizemos, tínhamos que ter visto que isso poderia acontecer”, mas no momento que eu sinalizei o erro ao chamar a mulher de periguete, eles apenas descartaram meu comentário com um simples “periguete não é ofensivo”. Sim, meninos. Periguete é ofensivo.

Eu sei que ainda temos um longo caminho pela frente, mas tenho fé que a gente chega lá!